Uma areia obtida a partir do reaproveitamento de rejeitos da mineração de ferro está sendo testada pela Vale e pela Universidade Federal de Itajubá (Unifei) como agregado para a pavimentação asfáltica. Os testes, que vão durar dois anos, estão ocorrendo em uma pista experimental de 425 metros (m) de extensão construída na mina do Cauê, em Itabira (MG). Entre os agregados estão pedra britada, pedregulho, cascalho, rocha moída e areia, utilizados como base na construção civil.
A areia representa 80% dos rejeitos da etapa final de beneficiamento do minério de ferro, a chamada concentração, em que o ferro é separado de impurezas. Na Vale são gerados 55 milhões de t de areia por ano. “Desde 2014 estudamos como aproveitar o material. Seu uso na construção civil permite ganho ambiental e gera valor para a companhia”, diz André Vilhena, gerente de Novos Negócios da Vale, à Agência Fapesp.
O uso da areia proveniente da mineração para essa finalidade pode estimular a economia circular com o reaproveitamento de um material que tradicionalmente é depositado em barragens ou em pilhas a seco de rejeitos e reduzir a necessidade de mineração de brita e areia natural. Economia circular é um modelo econômico que valoriza a redução do uso, a reutilização e a reciclagem de recursos naturais.
Segundo a Associação Nacional das Entidades de Produtores de Agregados para Construção (Anepac), cada quilômetro (km) de estrada pavimentada consome em média 9,8 mil toneladas (t) de agregados. “Numa avaliação preliminar, é possível substituir 7 mil t de agregados a cada km por areia de mineração”, disse o engenheiro civil Sérgio Pacifico Soncim, do curso engenharia da mobilidade, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), responsável pelos testes em Itabira.
A Anepac calcula que em 2022 o Brasil deverá extrair 400 milhões de t de areia e 392 milhões de t de brita para atender um consumo de 692 milhões de t de agregados. A areia é o segundo recurso natural mais explorado no mundo – perde apenas para a água. A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula uma extração de 40 a 50 bilhões de t por ano, com grande impacto sobre ecossistemas ribeirinhos e marinhos.
COMO O PROJETO COMEÇOU
O aproveitamento da areia de minério como agregado para pavimentação surgiu por meio de uma parceria com a Unifei em 2017 e já demandou mais de R$ 7 milhões em investimentos. A primeira tarefa foi determinar a caracterização dos rejeitos do minério de ferro. Nessa etapa, constatou-se a necessidade de melhorar as propriedades físico-químicas dos rejeitos.
Segundo a engenheira Laís Resende, responsável técnica pela pesquisa na Vale, durante o processo de beneficiamento do minério de ferro são gerados os rejeitos arenosos. Para transformar esse material em areia, foram criadas rotas de processo que incluem etapas de concentração, classificação e redução de umidade. A areia produzida pela Vale tem mais de 92% de sílica na composição e sua aplicação pode aumentar a vida útil de alguns materiais, como o pavimento viário.
O material apresenta uniformidade granulométrica. “É um material com controle de qualidade maior do que a areia extraída de rios, que costuma ter parcelas significativas de resíduos alimentares e solos decompostos. Esses materiais orgânicos podem reduzir a qualidade das aplicações”, afirma Resende. Testes feitos na Unifei mostraram que a areia da mineração, por sua uniformidade e alto teor de sílica, proporciona um aumento de até 50% em parâmetros de desempenho que estimam a vida útil de uma estrada em comparação com a areia convencional. Também reduz em 6% a demanda por cimento asfáltico de petróleo, um derivado de petróleo usado como agente aglutinador dos agregados na camada superficial da pavimentação, a faixa de rodagem.
Uma pista rodoviária é composta de várias camadas de pavimentação. A formação mais comum tem quatro camadas: subleito, sub- -base, base e revestimento, que pode ser asfalto ou concreto (ver infográfico abaixo). A pista de 425 m em Itabira servirá para avaliar em condições reais os resultados obtidos em laboratório e para determinar a composição mais adequada de areia de minério no mix de agregados de cada camada.
PISTA CONTA COM 96 SENSORES
“A pista foi dividida em quatro subtrechos, cada um com uma solução diferente na sua composição”, explica Soncim. Foram instalados 96 sensores, entre medidores de deformidade, pressão, temperatura e umidade, submetidos ao tráfego constante de veículos com cargas pesadas. Os estudos são conduzidos pela Unifei em parceria com o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ). As instituições integram a Rede de Tecnologia em Asfaltos da Petrobras. Os resultados serão compartilhados com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). A expectativa na Vale é de que o teste em condições reais confirme os resultados dos ensaios laboratoriais realizados na Unifei. Em abril, foi divulgado um estudo feito pela mineradora em parceria com as universidades de Queensland, na Austrália, e de Genebra, na Suíça, que apontou, da perspectiva técnica, a viabilidade de utilizar a areia de mineração na pavimentação asfáltica e na fabricação de tijolos.