Tragédia de Mariana coloca engenharia geotécnica em alerta

Até fins de dezembro último, ainda não havia explicações conclusivas sobre a tragédiade Mariana (MG), atribuída a uma conjunção de fatores, entre eles problemas de erosão superficial e possível falta de atendimento a uma série de recomendações técnicas

Nildo Carlos Oliveira

Especialistas de diversas áreas da engenharia, especialmente da engenharia geotécnica, têm se movimentado em vários países, sobretudo, em diferentes regiões brasileiras, na análise da ocorrência de Mariana (MG), onde se romperam as barragens de Fundão e Santarém.

O efeito desse desastre foi reconhecidamente devastador: cerca de 60 bilhões m3 de água e rejeitos oriundos do beneficiamento do minério de ferro soterraram a localidade de Bento Rodrigues, provocando 17 óbitos (até o fechamento da edição duas pessoas ainda permaneciam desaparecidas).

A tragédia, do ponto de vista ambiental, é considerada a maior desse tipo já ocorrido no Brasil. A lama espraiou-se ao longo de mais de 600 km pelo curso do rio Doce e atingiu cerca de 10 km do litoral capixaba. Laudo preliminar do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) identificou destruição em 1.469 hectares de vegetação, abrangendo 77 km de cursos d´água, até em áreas de preservação permanente. Segundo o Ibama, as medidas para a reparação dos danos, “quando viáveis”, devem se prolongar pelos próximos dez anos.

Laudo técnico circunstanciado, sobre as causas do desastre, ainda não foi elaborado. Mas alguns especialistas dizem que a engenharia geotécnica encontra-se em estado de alerta. É que barragens de rejeito – ou aterros controlados, conforme alguns preferem classificar esse tipo de construção – não podem jamais ser consideradas estruturas de importância menor. São obras que devem exigir o maior cuidado da engenharia, tanto durante a fase da construção, quanto nas fases posteriores.

A rigor, um desastre, como o de Mariana, não poderia ter acontecido. Um engenheiro, que trabalha há anos em obras de barragens, com especialização prática em aterros controlados, diz: “Se há leis objetivas, que orientam projetos nesse segmento da engenharia (lastimavelmente a Lei 12.334, que estabelece a política de segurança de barragens, incluindo barragens de rejeito, é de 20 de setembro de 2010), elas têm de ser obedecidas e devem ser colocadas em prática por alguém que responda pelo emprego dos critérios que levem em conta a maior segurança”.

Recomendações técnicas

No caso das barragens da Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, há informações de que a consultora Vogbr realizou relatórios em 2013, 2014 e 2015, expondo uma série de recomendações. Nesses relatórios, ela informava que a estrutura da barragem do Fundão “encontra-se em condições adequadas de segurança, desde que atendidas as recomendações com relação à estabilidade física constante no plano de ação”.

Entre as recomendações estão as seguintes: acertar as irregularidades geométricas pontuais do talude de jusante; revegetar as áreas desprotegidas do talude do dique 1 e ombreira direita; monitorar vazão do tapete drenante do dique 1 e implantar projeto executivo para adequação e melhoria das saídas dos tubos; concluir a implantação do projeto executivo do sistema de drenagem superficial e reparar trincas de caneletas existentes; ajustar a geometria das bermas de forma a garantir uma declividade transversal com o sentido do fluxo para as canaletas de drenagem; realizar o monitoramento da vazão das surgências tratadas na ombreira direita, etc.

Em resposta a um questionamento, a respeito dessas recomendações, o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, informou: “A questão central está na verificação do cumprimento ou não das recomendações emitidas pela empresa auditora. Pela análise das recomendações, a barragem apresentava problemas de erosão superficial, por deficiência de seu sistema de drenagem superficial e falta de proteção de taludes; a barragem poderia estar apresentando problemas de percolação interna de água, evidenciados pelo aparecimento de surgências e pelo cuidado na orientação de monitoramento do tapete drenante. E há recomendações para controle de compactação (ensaios de compacidade) e de análises de estabilidade”.

Aterro controlado

O engenheiro civil geotécnico Cláudio Casarin, da Arcadis, dirige atualmente um projeto de disposição de rejeitos para a mina Pitinga, de cassiterita, no Norte do Amazonas, com previsão para 35 anos de operação futura. Ela envolve cerca de 175 milhões m³ de rejeito, a ser contido no fundo de um vale que já foi explorado como jazida, desde 1980, com a construção de quatro barragens de fechamento do vale e das selas laterais.

Indagado sobre os cuidados para construir barragens de rejeito, que prefere chamar de aterros controlados, afirma: “Esses aterros são feitos de material pouco permeável e não se prevê uma drenagem franca do rejeito que ali é lançado. Isso provoca a elevação do lençol freático dentro da massa lançada. Na medida em que o aterro sobe, o nível de água sobe junto. Isso propicia a formação de superfícies de escorregamento lubrificada com água. O rejeito não tem uma compacidade alta. Em geral ele tem densidade baixa, comparativamente ao material compactado”.

E prossegue Casarim: “Se você faz compactação numa barragem sem água, nada acontece. Todo problema se concentra em saber lidar com a água. Se houver água, tem de haver uma criteriosa instalação de dreno sob o aterro. Assim, você diminui as tensões provocadas pela pressão da água e minimiza os efeitos de escorregamento”.

O engenheiro diz já ter visto um caso em que recomendou fazer, na base do aterro, uma instalação de dreno; depois, a cada 15 ou 20 m de altura, outros drenos, não necessariamente uma superfície total, mas uma espinha de peixe – valetas com material mais drenante. Enfim, algo que atraia a água a ser colocada para fora, em sítio previamente previsto para isso.

Ele diz que um aterro desse tipo não pode se romper. “Acontece”, salienta, “que em geral as minas não operam com fator de segurança 1,5; trabalham com fator de segurança 1,1.” Nessas circunstâncias, por ser temporário, o talude não é levado em consideração maior. Como o dique e o rejeito acabam ficando para sempre, o conjunto deveria ser tratado com fator de segurança usual em geotecnia: 1,5. Ele afirma que em obras desse tipo não pode haver preocupação com custos, mas sim com a segurança.