Crise financeira 2008: Delfim Netto analisa o impacto na economia real e propostas para o Brasil

A crise financeira que se manifestou em 2008, inicialmente no setor bancário internacional, rapidamente aterrisou na economia real. Em uma análise contundente, o professor emérito da FEA-USP e ex-ministro, Antonio Delfim Netto, aborda os impactos dessa crise no Brasil e propõe caminhos para a superação, criticando a lentidão burocrática e a timidez na ação estatal.

Delfim Netto ressalta que a crise não era um simples problema de liquidez, mas uma profunda desarticulação entre o patrimônio das instituições financeiras e os riscos assumidos. Ele argumenta que, diante do colapso da confiança no setor financeiro, a intervenção do Estado, por meio do fornecimento de capital temporário e liquidez, é crucial para evitar uma crise econômica mais longa e severa, com redução da produção e aumento do desemprego.

O Cenário Brasileiro: Higidez e Desafios

Apesar de o sistema financeiro nacional ter se mantido hígido e com pouca alavancagem em comparação com o exterior, ele não escapou do pânico generalizado. Delfim Netto reconhece que a queda da demanda e a redução dos preços de commodities afetariam o setor exportador. Contudo, ele aponta uma “saudável desvalorização do real” como um fator de compensação, que beneficiaria também a exportação industrial.

O ex-ministro defende que o Brasil possui recursos (reservas e swap do Fed) que, com agilidade e imaginação, poderiam ser usados para restabelecer boa parte do financiamento externo e substituir o financiamento interno que dependia de recursos externos.

Críticas à Ação Governamental e Propostas para 2009

Delfim Netto critica a resposta do governo, que, embora ágil em alguns aspectos, mostrou-se “tímida” em dar o “conforto” necessário ao sistema financeiro e à economia real. Ele alerta que a burocracia pesada do país impediu uma ação mais eficaz.

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Problemas como a falta de fluidez do crédito, especialmente para o setor agrícola para custeio e compra de insumos, são destacados como urgentes. “Não adianta resolvê-los em janeiro, às vésperas da colheita da safra 2008/09”, alerta.

Outro ponto crucial é a falta de apoio às pequenas instituições financeiras, que, apesar de hígidas e solventes, são as mais vulneráveis a crises de confiança. Elas desempenham um papel vital na concorrência e no financiamento de pequenos e médios industriais e comerciantes. A burocracia e a falta de mecanismos de apoio adequados as expõem à “discrição dos grandes”, que, segundo ele, “empoçam” a liquidez à espera de grandes oportunidades.

Ousadia e Ação Decidida para o Crescimento

Para Delfim Netto, o crescimento de 2009 não é um destino pré-determinado, mas sim o resultado da inteligência e ousadia do país. Ele propõe uma ação decidida e ágil do Estado, com duas frentes principais:

  1. Dar “conforto” ao setor privado (financeiro e real): Incentivar a tomada de riscos.
  2. Manter os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento): Mesmo que isso exija um corte rigoroso nas despesas de custeio, sem afetar as políticas sociais.

A análise de Antonio Delfim Netto, publicada originalmente na Revista Padrão, permanece como um valioso documento sobre os desafios econômicos da época e as propostas para enfrentá-los.

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