Descomissionamento de Barragens a Montante: como funciona e por que é essencial
O que é o descomissionamento de barragens
O descomissionamento de barragens — também conhecido como descaracterização — é o processo de encerrar definitivamente o uso de uma barragem de rejeitos e eliminar suas funções de contenção de rejeitos ou sedimentos, devolvendo a área ao meio ambiente de forma segura e estável.
Em termos práticos, significa desativar a estrutura de forma controlada, drenando, consolidando e reconfigurando o terreno para que ele não represente risco à população, ao meio ambiente ou às operações da mineradora.
Por que as barragens a montante precisam ser descomissionadas
O método a montante — amplamente utilizado no Brasil até meados da década de 2010 — é considerado o mais vulnerável entre os tipos de barragem de rejeitos.
Nele, os alteamentos sucessivos são construídos sobre o próprio rejeito depositado anteriormente, o que aumenta a possibilidade de liquefação e ruptura, principalmente em situações de saturação hídrica.
Após as tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), esse tipo de barragem foi proibido pela Lei nº 14.066/2020 e pela Resolução ANM nº 95/2022, que determinaram sua eliminação total no território nacional.
Prazo legal:
Segundo a ANM, todas as barragens a montante devem ser descaracterizadas até 25 de fevereiro de 2025.
Esse processo é hoje uma das principais frentes de trabalho da mineração brasileira.
Como funciona o processo de descomissionamento
O descomissionamento de uma barragem a montante é um processo técnico, longo e de alta complexidade geotécnica.
Envolve várias etapas integradas de engenharia, segurança, monitoramento e reabilitação ambiental.
Etapas principais do descomissionamento:
- Planejamento e licenciamento ambiental
- Estudos geotécnicos, hidrológicos e ambientais.
- Licença de descaracterização concedida pelos órgãos competentes.
- Drenagem e rebaixamento do nível d’água
- Reduz o peso e a pressão interna da estrutura.
- Diminui o risco de instabilidade durante a remoção dos rejeitos.
- Estabilização física e química da estrutura
- Reforço de taludes, construção de bermas e sistemas de drenagem superficial.
- Controle da erosão e infiltração.
- Remoção e reprocessamento de rejeitos
- Rejeitos podem ser reaproveitados ou relocados para novas áreas seguras.
- Em alguns casos, são secos e empilhados (disposição a seco).
- Reabilitação ambiental da área
- Cobertura vegetal, reflorestamento e monitoramento da fauna e flora.
- Recuperação gradual da paisagem e uso futuro controlado.
- Monitoramento pós-descomissionamento
- Instalação de sensores e inspeções contínuas.
- Garantia de estabilidade por vários anos após a descaracterização.
Tecnologias aplicadas no descomissionamento
A nova geração de projetos de descomissionamento utiliza tecnologias avançadas para garantir precisão e segurança:
- Drones e escaneamento a laser 3D para mapeamento topográfico e volumétrico.
- Sensores IoT e piezômetros automáticos para monitorar a pressão da água e estabilidade.
- Modelagem geotécnica computacional com softwares de simulação.
- IA e Big Data para prever movimentos e avaliar riscos em tempo real.
Essas tecnologias são usadas por mineradoras como Vale, Samarco, Anglo American e Nexa Resources, que mantêm centros integrados de monitoramento geotécnico dedicados exclusivamente ao acompanhamento de barragens em descomissionamento.
Impactos ambientais e recuperação das áreas
O descomissionamento também é uma ação de reparação ambiental.
Após o fim da operação, o objetivo é restaurar a função ecológica do território, seja por meio de reflorestamento, criação de bacias de retenção natural ou projetos de uso sustentável da terra.
Além disso, o processo reduz riscos de contaminação de cursos d’água, erosão e emissão de partículas finas.
“Cada barragem desativada representa um ganho ambiental e social significativo, pois diminui o passivo do setor mineral e recupera áreas degradadas para novos usos”, afirma Ana Paula Matos, engenheira de geotecnia e consultora ambiental.
Desafios do descomissionamento no Brasil
O processo, embora essencial, apresenta grandes desafios:
- Alto custo (estima-se que cada descomissionamento custe entre R$ 100 e R$ 500 milhões).
- Dificuldades técnicas em terrenos instáveis.
- Falta de empresas especializadas em larga escala.
- Necessidade de acompanhamento contínuo por décadas.
Segundo a ANM, cerca de 40% das barragens a montante no país ainda estão em processo de descaracterização — o que reforça a urgência de acelerar as ações até o prazo legal.
O papel da ANM e da legislação
A Agência Nacional de Mineração (ANM) é o órgão responsável por supervisionar, fiscalizar e auditar o cumprimento da descaracterização.
A Lei nº 14.066/2020 determina que:
- Nenhuma barragem a montante pode permanecer ativa;
- Empresas devem apresentar planos e cronogramas de execução;
- O descumprimento implica multas, interdições e responsabilização civil e criminal.
Descomissionar é prevenir
O descomissionamento de barragens a montante é mais do que uma exigência legal — é uma obrigação moral e ambiental.
É o passo decisivo para garantir a segurança das comunidades, reconstruir a confiança na mineração brasileira e preparar o setor para um futuro mais sustentável e tecnológico.
Com o avanço das soluções digitais, da engenharia geotécnica e da transparência, o descomissionamento não é o fim de uma estrutura — é o recomeço de uma nova forma de fazer mineração: responsável, moderna e segura.
Fontes:
- Agência Nacional de Mineração (ANM)
- Lei nº 14.066/2020
- Resolução ANM nº 95/2022
- Vale S.A. – Relatório de Descaracterização de Barragens (2024)
- Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM)




